10.9.06

Nas Veredas da Noite Dentro

ontem foram-se mais algumas pedras.

não significaria muito isso se, além das dobradiças enferrujadas e os batentes há muito desmantelados, uma parte da parede lateral esquerda também não estivesse sendo, lenta mas inexoravelmente, chamada ao repouso diabólico, à fragmentação de sua razão - e ao meu conseqüente desespero. por ali passaria um urso, se algum houvesse que não fugira dos rigores da estação mais severa - esta em pleno curso. mas sem ursos, sem raposas, sem a voz mais selvagem dessa natureza incontinenti, o que me despertava o instinto profundo era mesmo as cortantes e gélidas rajadas de vento, um verdadeiro canal de vento, que se infiltrava pela brecha nas pedras, pelo cada vez maior buraco que se fendia, voraz, na parede à esquerda.

então ruía silenciosamente. e os lampiões na varanda também não garantiam, pois a pouca cêra que restou em dois deles, talvez os únicos capazes a contento, estavam úmidas e como que desaglutinando os compostos carburescentes, o que inviabilizava, desde então, seu uso mais imediato.

às escuras, sem água qualquer, sem abrigo do gelo, e enfim com um punhado de cartuchos restando no fundo da algibeira (que tampouco se lembrava dum lombo equino), eu me postava sentado diante da lareira - acesa sobre uma pilha de livros enjeitados, acomodado no pêlo de iaque que um inuíte me presenteara, no amarelado verão de 48... ou 50. 50? isso pouco fazia. mas mantia minha mente ocupada, enquanto os membros ganhavam inércia própria, cedendo à ordem do vento, e me recusando seu prestimoso auxílio.
lá fora, estalos rondavam a clareira. alguns uivos de euforia, ganidos excitados, latidos ecoando no paredão de rochedos à minha frente, após o rio insolente. somente ele, o rio, sentia-se indiferente à sorte dos demais viventes, e concentrava-se em suas orações diuturnas, mantras tantas vezes hipnóticos como... traiçoeiros.


os ganidos se aproximavam, tridimensionais e factíveis. assim como meu ranger de dentes, e ossos, e vértebras, enregelado e quase morto. "quase" era parte da minha recusa. não quero comentar agora os motivos que me levaram à sua breve reprovação, apenas relato como foram os dias de minha passagem por esta terra que jamais me acolheu, sobre seus habitantes que nunca me reconheceram par, desta natureza vil e medonha. e o medo estava agora nas pegadas pequenas e nas mandíbulas azeitadas de pequenos e famintos lobos.

a noite ia longe de terminar, e minha vigília carecia de atenção, carecia do embalo certeiro do encadear de palavras, do som da voz com palavras, a voz que ritmaria meu acordar sentinela - ante o sono imperioso, o perigo iminente e a resistência imortal.

(continua)

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