12.9.06

After Hours

ela ardia, ele negaceava; ela prometeu se atirar da janela. ele acendeu outro. ficaram os dois assim, mudos, mais a fumacinha que saía em rolinhos pensados por sobre suas cabeças. ela amuou um tantinho, se encolheu de lado, fazendo bico. ele nem.

ela bufava quase baixinho, como se pudesse: "por quê? por quê?!" - mas não acharia resposta alguma, não ali, onde as quinas completavam noventa, as cores eram brandas e da rua só se ouvia a matraca do amolador de facas. facas! ela de um pulo se levantou, ficou em pé na cama; agora ele teve de erguer a cabeça, mirá-la de alto a baixo. e de baixo parecia mais esguia, meio serpente e os olhos oblíquos por entre os cachos poucos que vacilavam ébrios junto ao nariz. e o sorriso maroto. ele fumaçou outro tanto - preto velho - olhando, esperando. ela segurou o suspense...

mais não vale enredar: ela foi até a cozinha, buscou uma faca de desossar porcos, chegou junto ao leito de fornicamentos e reluziu o metal frio nos olhos do desafeito amado. ele franziu a testa, esboçou desaprovar. ela gritou com a ira dos deuses - ele deixou pender a bituca no lábio seco. what a fuck...?!

clímax: ela atirou a faca como seu tataravô samurai teria feito, a lâmina girou no ar, cortando os espaços tórridos; ele pensou na vida como num filme de trás pra frente, a vida era de trás pra frente, tinha certeza de que tudo já acontecera, o grito, a lâmina ofuscando em elipses buscando sua garganta.

enfim: a faca cravou torta no abajur do criado-cego à esquerda (samurai era o tatata) e a louça caiu macia no carpete, gemendo abafado. ele arrancou o filtro quase queimado da boca, parecia James Dean, esfregou as mãos na cabeça e atacou: papéis voando, uma xícara pulando de seu colo, os chinelos deslizando slow motion para debaixo da cama. mirou a derrota estampada na face dela, não perdoôu: estapeou-a uma vez. a recíproca foi verdadeira. "vadia". "bastardo".
ele tascou-lhe um beijo com fúria, mordeu-lhe os lábios, mordeu-lhe a nuca, os ombros, o corpo. ela gemia e deixava.

no silêncio murmurante, voltaram para a cama.

mas a luz do abajur da direita só apagou depois das três. e meia.



os direitos sobre as imagens dos links são de seus respectivos autores. o seu uso neste site é meramente ilustrativo e não-comercial.

Nenhum comentário:

Minha foto
SAO, SP, Brazil
...just someone playing hard.