19.6.06

Cartas Jamais Escritas - Preâmbulo

escrevi-lhe a respeito de minha memória nebulosa, do medo que tenho de tornar-me um alheio, um transeunte, tão logo este funesto aparar dos fatos se torne um aparar do tempo, dos sentidos, do horizonte. poderei ainda ser eu, sem distar do longe e sequer do perto, sem preencher limites palpáveis, um corpo, um crânio, o ardor de ser quem sou?já não tenho certeza. e repensar o caso é encurtar a corda, pois a memória falha da palavra mesma não reproduz – antes recria – o recém proferido, e o faz ecoar – sem arestas, sem respiros, sem virgular – uma dezena e mais de vezes; e o pensar fica pequeno, as idéias desprovidas do afã, é tudo gasto, repisado, revisto. fico sem saber se é a enésima vez (ou enésima primeira?) que descubro o mesmo velho ditado, que me retorço à mesma (?) velha piada. o mesmo velho sol perde altitude, perde cor; porque nasce todo dia é que não é mais mais sol, não é nada: talvez apenas um eco caricato da estrela que, no dia primevo de minha consciência de mundo, riscou no céu um caminho ao poente. serei nada então, quando as brumas do descompasso engolfarem minha noção de tempo, de espaço, de espelho?

no enquanto, sou a memória viva dentro de mim.

um abraço,
A.Montenegro

foto por
Any Manetta, via Flickr:Public Domain.

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