4.9.10

Última chamada

Agora estou no quente seco da sala. Lá fora, um sol de Sierra Madre vai desvirtuando tudo. É tarde quase madrilenha, mas quero crer que nuvens galopantes surgirão do nada para refrescar esse braseiro sem basta, sem chega, desapiedado.

Dia que segue alto, delirante, febril mesmo e as cores e formas bailando sinuosas na evaporação dos humores da terra. Isso é o que sobra. ...E deixa estar, que vou 'gonzear' mais um pouco pela rede, antes de abandonar as virtualidades e correr pro feriado que já está na área, chamando pro ócio, pro talento nacional, pra exercitar a brasilidade.

Carnavalizem-se vocês também! Até os dias de branco.

30.4.10

Deveras...

Menos por você do que por mim, menos por eles do que pelos outros, quando eu e os outros não nos conhecemos e assim sem raízes e sem memória tudo fica mais fácil e ligeiro, eu aperto o botão que limpa e esclarece, que simplifica e arredonda, que torna límpido porque esvazia, já não é mais água e sim vazio, onde existia água existe apenas o azulejo frio agora, e cair já não parece boa idéia, e mergulhar se tornou um sonho distante e evanescente, remanescente, maledicente, onde não sei se se mente, ou apenas se esquece o que é importante pelas beiradas, e o que nos resta é a sensação de já ter visto, de já ter amado, de já ter respirado uns tantos cheiros, soçobrado o coração de respirações entrecortadas de expectativa, em dias idos, em invernos apagados, de sacolas plásticas esvoaçantes num balé moderno de renegada elegância, duas eternidades plásticas bailando num pé de vento para o enfoque preciso da câmera nova do menino solitário da janela em frente.

Eu tenho todas as respostas quando menos preciso delas, tenho o péssimo costume de olhar para trás quando você apenas olha para a frente e essa frente é além do que meus olhos são capazes de captar no horizonte disposto à minha nuca, porque ouço de todos aquilo que sempre soube de mim mesmo, mas que guardei no sótão ecoante de cantos empoeirados e displicentemente abandonado à própria sorte de ouvir a rotina da casa sem poder-lhe estender as mãos, sem poder tomar-lhe coisas, sem conspirar para que as tampas de caneta e os botões e as peças pequenas que crianças não deveriam colocar na boca, uma meia desparceirada e também uma bola de tênis e um clipe de papel e um olho de acrílico e um tufo de pelúcia se percam nas frinchas e frestas e frisos rangentes dessa pequena e modesta casa em um subúrbio metropolitano.

16.3.10

Storia, Storia (para Mayra)

1.

Diziam as línguas que, na ilha, quem era do rei o mar levava. Quando chegava a hora, o touro vinha num repente e se ia noutro - levando o rebento marcado. Não tinha choro que refreasse o bicho, nem vela que queimasse até a manhãzinha no sucesso do intento: daí que muito pai desabotinou, muita mãe perdeu o juízo.

Não era o sol severo, menos ainda o areal dito enfeitiçado que isolava aquele pedaço de terra do resto do mundo, não... eram os desmandos de D. Sebastião nas cercanias da agourada Lençóis que tiravam o sono e punham pavor nas gentes simples dali.

E quem se atreveria com a besta-fera? Quem para encarar o monstro marinho, bancar de herói naquele confim por um tesouro de lenda, enterrado no fundo do abismo dágua sob os recifes? Era demais.

Pois um fi dum cabra local fez que resolveu intentar contra o malassombrado. Rapaz de sorte larga e expressão mais ancha ainda, se achou o dito cujo que acabaria com a maledicência que pesava sobre os ilhéus. Era de palavra fácil, manjado e desdito, e merecidamente por isso recebeu a descrença dos locais, quando anunciou sua temerária empreitada.

Trazendo um quase-nada no alforje, não se fez de rogado. Encheu-se de brios, e na primeira madrugada sem lua, mergulhou na noite opaca das praias do lado de lá.


(continua...)

1.3.10

De uma simetria que não compreendo.

não seria errado supor que a ordem natural das coisas fosse mesmo o caos - e mesmo sob a aparente normalidade, sob o padrão evidente de tudo, da rotina do semáforo que eu observava do carro, sob a chuva que agora escorria compassadamente das calhas e beirais, do quase silêncio que intercalava o trânsito ralo de indiferentes transeuntes pelo molhado - lá estava ele, como um capo inatingível, senhor do pedaço, do bairro, da estratosfera.

a sonolência vencia aos poucos. hipnótica. e tinha ainda o conforto dos pés secos. me encolhi mais um pouco, como querendo puxar as mangas da carne e sumir a cabeça dentro do casco. os dias são desiguais, pensei. dias seguidos de fúria. dias intermináveis de lassidão. momentos raros de compaixão e alguns segundos quinzenais de felicidade sincera. culpa do caos - concluí.

e assim aos poucos o cansaço venceu. me debati, juro, mas foi mesmo em vão. um ato falho, talvez, até. como os livros que nunca li. sabe aquele clássico? nunca li. aquele outro, incontornável? nunca lerei. não é descaso: é que minhas células estão morrendo desde que nasci, e choramingam alimento durante toda a sua vida. em algum momento, um claquete piscará na minha frente, anunciando o fim do show para mim. e os clássicos? - imagino o Criador perguntando - folheou bastante? anotou nas margens? arrancou as páginas principais pra ler depois?
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...just someone playing hard.