3.12.09

G@briela.

Gavião é bicho sem fronteira, pairando sobre a mata fechada, à espreita sem remorso, do alto onde tudo vê e onde todos o vêem. Meu amor por você é feito bicho de rapinagem, que estremece como se fôra antanhos, e eu fosse o nascido do mundo, nomeando ruminantes e plantas carnívoras por primeira vez.

A cada nova descoberta, aceleraria em mim o desejo de chegar ao final do enredo, de descobrir a chave de tudo, de esconder entre suas demências e tremores, meu amor voluptuoso. Pois é como tomar a criança nos braços e descortinar o mundo de novidades a quem largava-se ao sono dos viventes, hibernando nos trópicos - sem saber que delirantes aventureiros, em tempos remotos, lançaram mãos de eldorados lendários, em vãs jornadas mato adentro.

Agora é tudo seu, agora é tudo nosso - eu só pra você/ você só pra mim.

O resto é o amor em paz.

29.11.09

Mantra da decepção

E a música não cessa. A maior prova de que o Universo comunga de uma ordem sutil, duma harmonia interna, uma máquina dos diabos a rodar e rodar infinitamente, fumegando, apitando, rangendo e produzindo.

Correm as capivaras ressabiadas nos capinzais da CPTM, correm na pista os homens largando notas gordas pelos fundilhos, contra aviões que não lhe darão fuga. É tarde para largar o osso? Se ri o macaco no galho do outro, aquele que já não pode escolher pelo choro, rindo também: feito noz aberta contra os rochedos, o ketchup escorrendo na tela.

E a música não pára. Assumem os presidentes de si mesmo, fazendo as nações à sua imagem e semelhança, acelerando a noção de que o futuro está por trás de dentes que não usaremos, palavras que não plurificaremos, dedos à escanteio - pois que já não nos farão falta.

Mordem ainda os que conseguem, minoria chegada numa moda muito fora de moda, viola desafinada na multidão de ocupados úteis. E dóceis. E quem falou que precisaríamos de delirantes clones? É tudo tão mais sórdido, e patrícios se comem pelo rabo moral e pelo cabo da tevê.

Ah!, o amor. O que não pode, o ultrajante e bastardo amor da Humanidade pela ciência de si mesma. Afaga e esconde entre os seios gordos e sufocantes, amaciando o estertor com afeto e dedicação. Depois repousa o corpo já inerte e vela para que nenhuma ave agourenta devolva seu pó à terra; para que nada lhe seja maior que a mumificação e o simulacro. Pois deve parecer ainda vivo, para todo o sempre. Deve seguir vivendo no limbo dos sonhos, do intervalo antes do além e já muito longe de qualquer redenção.

Feliz o homem que é incorrupto pela inaptidão. Jamais experimentará do veneno, e será grande e arrogará ares de sábio, em sua estupidez patente.

E todos o respeitarão.

20.10.09

Ponhema Bifásico

I.

Ivo viu a uva.

A uva é do vovô.

Ivo vô-num-vô.

Vai.

O véio veve a vida e vocifera:

- Vaios!

O viadinho vacila.

E a uva lá. Do vovô.

Eita piada sem graça, seu moço.




II.

Ivo viu a Juliana.

A Juliana é uma uva.

O vovô é véio, mas é vivo.

Por isso, a uva é do vovô.

Ivo viu que é tudo vuco-vuco, que o vovô tá variando.

Vira pra uva e viaja:

- Mata o velho, MATA.

8.10.09

2222 Express - pra depois do ano 2009



Até onde seria possível desistir de tudo?

E depois voltar à tona e recuperar o tudo que se tem a ganhar ainda, quer dizer, ganhar a chance de continuar no jogo, na virada de cena, de mesa, virada de circunstância - pra ganhar todos os espectadores quase-involuntários que se amontoam junto ao cordão, enquanto a gente passa, pra ver se caímos nessa curva ou se ainda aguentamos mais um quarteirão.


O plano está feito. Resta seguir à risca com os detalhes - ah! os detalhes - e não falhar antes do ato final. Depois o além nos esperará, sorridente. Depois, no além, o horizonte longínquo e, às portas da percepção, lembrar o que passou será um esquecimento mero, uma tolice como estremecer a respiração já sem choro, um sem-razão de ser, de se ater. Correr, só correr. Ventar. Chover. Permear-se de pó, de grão, de areia.

...Até que meus olhos se embotem, semi-cerrados de deserto.


megaton_nero

8.9.09

Lígia.

Pudera: Inominável.

Prefiro calar. Ou antes, revelar o fragmento que me sobrou, rascunhado no verso dum cupom fiscal de jantar em sua companhia:




Faço pensar em tua flor secreta
Tua flor discreta e solitária
Tua inflorescência sem jardim
Que me devora o caule
E o caulim.



...e '.'

Dora.

devotada. olhando pedindo, calando a voracidade de um amor pagão que ali encontra a natureza linear de uma dona de ângulos simples. olhando bolinando, contraindo um sorriso campestre com cheiro de capricho, de maldade ingênua, de pecado de chita. de terra vermelha.

ela cala quando não pode mais, e busca na mirada dalgum lugar alhures a solução que não virá. e depois me procura, e esconde o rosto no labirinto de meus braços entrelaçados.

mas não se demora em buscar minhas mãos e encaminhá-las com insistência à raiz da fúria guardada e discreta. não se demora e faz-se prostrada, escrava temente, passiflora demente, a mera. não se demora e...

...e depois se aquieta. não fuma porque não sabe se perder. não bebe porque não conhece os abismos da alma. emudece e drome-negrita.

devotada. quisera um mundo simples como sua alma, adocicada como os arbustos de macela das encostas mantiqueiras.

Brunna.

nem mesmo as horas de um dia se passaram e já sinto tua ausência. ainda trago o cheiro do teu erotismo nas mãos, e a memória de tuas carnes na ponta dos dedos. desenho no ar os convexos onde encaixei minhas palmas, as polpas onde cravei os dentes.

é fato: esse teu olhar mortiço me evoca distrações de reis de outrora, cada vez que te acho me fitando - e mais de uma vez aconteceu, em sua cama improvisada, na casa de vãos ecoantes em que moras.

teu simplesmente me confunde, por vezes - eu, tolo, achando que simplesmentes não podem acontecer à sua juventude - que traz a redundância de suas vontades secretas no nome, e dobra uma letra que não se pronuncia. tal qual ela se dobra feito gata, e me oferece a flor depois do amor da manhã, e me provoca com dengos e deixas, entre sussurros e estalos dos lábios.

e como não dizer: da fúria calculada com que me presenteia, e sorri, feliz por deixar sua marca em mim - como a uma possessividade disfarçada, um somente-dela a quem me surpreenda desvestido (e isso soa como sinal de alerta às posteriores, que desistam desta alvura lunar, pois que aí uma debutante ninfa se alojou e garantiu colheita - e desta não pretende partilhar).

enfim, é tarde para o resto todo - resto que me racionaliza, e amanhã me espera na labuta - então findo este registro aguardando a cheia ou a lua negra: o que antes me traga novos folguedos de cama e aproximações, mais o calor providencial e este teu olhar cúmplice, cereja que me animaliza o espírito, e exorciza em ti minhas iras secretas.
Daí que pensei numa história simples, porém engenhosa. E trará o seguinte: mulher de olhar laminoso e vontades suplicantes (mais o trejeito fino de zerar com máxima sapiência a pança monetária de qualquer um) se envolve com figura dum passado esquecível. Note: esquecível não é redenção de nada, e os mortos voltam pra puxar o pé do gajo, que escapole da área e vai sapear lá pras bandas do fim do mundo. Nada muito explicado, porque a vida acontece assim mesmo, de improviso e de breque. Sem endereço nem paradeiro certo. Enfim.

A dita se lamenta, se rasga (nem tanto que não sobre algo par'o providencial "mistério da carne") e depois vai caçar noutra jaqueira. E tanto faz que acha outro jaca, se enreda toda e recomeça sua teia.

Mas! o condenado volta, e não é que era um fidaputa abotinado, de tocaia, de olhar soslaio? Pois aí ele revela sua verve e manda ver - com a polpa aberta, pegada bruta e surda. O lance é que rolou um sentimento e o bocó acredita no miserere da coitadinha, e ela dirige toda a reiva dele pro outro pagador, de modo que o circo pega fogo mas o show não para: resta o salário do medo na mão da bonitona e os galos se estraçalham na arena, antes mesmo que qualquer explicação seja possível (na época em que rola a transa não havia celular ainda, essa praga destruidora de complexidades narrativas teledramatúrgicas - leia-se "malentendidos funcionais" que só se resolverão no fim e ao cabo de tudo).

Mas ainda fica faltando o gran finale, e essa eu conto no próximo bloco. Não saia daí!

Hare Caraca!


Finda-se mais uma baboseira televisiva. Contorçam-se Shivas e Ganeshas! Vai-se maniqueísmo, vão-se as superstições medievais daquele povo do meio-leste, esvaiam-se as guirlandas de cravos e gérberas (sempre gostei dessa palavra, "gérbera", soa tão complexa - vai que escrevi errado - , meio maledicência em algum dialeto cigano balcânico; e tanto faço que tasquei-a aí, sim senhor), shanti, shanti--e-e-e-e-eêê... ô-ô!

...Deve ser o doce de abóbora que eu comi.



imagem de Robson Ventura para Folha Imagem. seu uso aqui é meramente ilustrativo e não-comercial.

19.5.09

Breves esboços para um projeto em andamento.

e tudo se sobrepõe, não só agora mas desde sempre. antes me valesse dos benefícios dispensados aos acrônicos de toda sorte, relegados à margem dos camarotes jocosos, da janelinha angustiante. sou dum tipo que não se mede em finitudes. se acredito vencer pelo cansaço, este breve me contradiz empilhando tangíveis carências e papeladas.


não começo porque não há começo possível. a vida não tem começo. já existia antes de mim, já era velha baleada quando cheguei por aqui. meu máximo foi um meio-termo irresponsável - mas bastante para preencher o espaço que me esperava, desde eras imemoriais. a figuração não requer holofotes atentos, mas também tem seu lugar.


e, no sem-fim de takes milhares, vou aprumando a hora da espera, a última, fatídica, inglória. a espera do torpor. porque deve ser assim mesmo, lento apagar de buzinas desafinadas, ganidos vagabundos, choros sem vela.


carimbar deve ser uma arte milenar, cheia de significados ocultos e ritos perdidos. não é difícil entender o quão perdido podem estar: ritos rasos, ratos rotos, relatórios - em meio a papelada que nem milênios conseguiram livrar das mesas acanhadas de quem pratica esta nobre função. o que seria do Império sem seus mestres carimbadores?


segue-se o estampido surdo, o tapão bem dado ou irregular, mesmo movimento manual que já selou destinos tão diferentes quanto o nascimento da cruzada cristã ou o descanso sem volta do impalador Vladimir. não é a mão que esmurrou a mesa e entornou o destilado russo; talvez também não seja aquela que decretou o quique capital do rei de França. mas certamente - e meus dedos trêmulos traem a frieza, a impostura aparente - é desprovida de qualquer sensatez, em sua disciplina cega e diuturna.


* * *


no recorte de braços e pescoços eu a vi, ou melhor, parte de sua cabeça com os lábios e o nariz. e foi engraçado perceber que suas narinas se mexiam enquanto falava; fitava absorto o desenho de seu rosto, talvez tentando memorizá-lo para mais tarde. logo deu com os olhos nos meus, e me surpreendi em perceber-me sustentando aquele breve contato, e além, continuar imerso na auto-sugestão de observá-la a fio, indiferente ao seu desconforto ou satisfação. braços e corpos cortaram-lhe os olhos novamente, e sua boca se abriu, afirmativa à conversa que não era minha. nova parada, e os corpos levaram-me o resto de sua fisionomia - perdida para sempre no enlatado de almas rumando para casa.


por megaton_nero.
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