23.5.06

Cap. 7º - Onde Se Versa Sobre 'Primal Scream' Não Ser Pra Qualquer Um

...só pra insistir mais um pouco: os outros tem "personal style". Monk tem "primal scream". pronto! falei. pensei nisso uns dias atrás. agora deixa pra lá...

e porque gostar do torto, do desalinhado, do febril enviesado? porque lá existe rebeldia, nem que seja apenas um buraco negro faminto no espaço, engolindo a força de gigantes vermelhas e anãs albinas como um potente ralo dimensional.

é aí que entra o filme de aberrações do Tod Browning, falando justamente de anões e gigantes - nos quais se a estética não convida ao saborear visual, sequer tátil, têm na grandeza de aspirações sua valia de heróis (mais-que-humanos).

e porque não tenho mais tempo para perder com 'A Construção do Mundo', mas sim apenas com amenidades artificiosas, e o livre e inconseqüente consumo - que se realiza no ato em si - não posso me sensibilizar com as 'trivialidades' de uma Natureza desgovernada: grandes avalanches, novas atlântidas continentais, enormes liquidificadores de vento que arrasam as planícies por onde erram: nada mais me impacta. Mas talvez o último filme de ação impossível lançado nas telas grandes...

fica pelo chão as marcas que areia nenhuma há de cobrir: minha 'linha-de-mundo' que atravessa - desavergonhadamente - o caminho são e vaticinal.

...e agora volto ao miolo da fuligem espessa.

18.5.06

Cap. 6º - Onde se conta uma só história - em dois tempos

e porque me sinto às vezes como um animal irrefreável, um touro enjaulado, prestes a ser lançado na arena, é que estranho - verdade seja dita - como isso ainda não despertou uma figura "minotáurica" no meu espelho, quando com ele componho nosso face-to-face, toda manhã. verdade que nem mesmo posso evocar a falta de substância que me cerca, como exemplo de possível desvirtuamento, isso lá é. substância tem sido um capricho que meu bem querer tem tomado em sua atenção de honra, então seria eu, gritando, na cajadada desferida contra o próprio pé.

não, não, não. resta a mão estendida à bolachada.

(...)

há dias em que perco o fio. este novelo só consegui desatar hoje, 3 dias após o início deste novo capítulo - modo como resolvi chamar esses monólogos sem pé nem cabeça que aqui apresento ao saborear alheio.

acabo de ver Monk tocando a minha (e de muitos) preferida: 'Round Midnight. Ele com o quarteto, numa gravação que deve ter pelo menos umas 2 idades minhas, mas que permanece vanguarda pura, na essência. E, por outro lado, extremamente formal: certos valores o barbudo nunca abandonou. nem eu.


queria entrar, nesta noite, no barracão com Thelonious e as granadas sobre o piano, o general amordaçado num canto e aquela simpática vaca de presépio ao fundo. queria ir fundo na sua música, chorar com ela, dançar como ele. queria sentir o gosto do carvalho nos vinhos, e de framboesa, de baunilha, de madeiras mais exóticas e frutas menos conhecidas. ouvir a música que só os físicos ouvem, com suas composições de universos possíveis. queria, na verdade, comungar com o espírito dos naufragados: todos os homens que deram suas vidas pela arte, pelas ciências, por honrar o dom a que nem centenas de enormes parabólicas, voltadas às profundezas gélidas do espaço exterior - ininterruptamente - conseguiram encontrar eco: a inteligência.

dentre tudo que ocupa espaço e perfaz significação aqui, nessa dimensão, só nós podemos ouvir e compreender a Verdade. e isso diz tudo (agora vou voltar ao Monk, presente da Melissa-de-Itapuã a este inveterado amante dos deslocamentos complexos do ar).

14.5.06

Cap. 5º - Que diz ainda estarmos no caminho certo

há um repente que dói, mais que o espaldar das cadeiras. é a música sangrenta, odiosa e vil, e provoca rebentos em meus olhos aguadecidos. a música não enjoa, transpira a minh'alma derradeira, de gente que me faço agora. queria ser tronco, ser furo - ou não ser: que sentir o peso dos olhos sobre meu cadáver.

é difícil percorrer as ruas assim, sem braços. sem rosto. porque na rua a gente anda de encontrões, se arremessa diante dos transeuntes, dos elefantes de aço que cospem fumaça. na rua, o silêncio é vazio.

lacerantes violinos ainda me atormentam, a prestações. fujo de mim mesmo - para eu em mim: como o rato desinfecto que galga a roda rangente de sua gaiola. orgulhoso.

isso pra não dizer que sinto, de verdade, cada grito ancestral que se encerra em meu sobrenome, cada reticência das ervas que me são servis e caladas cumprem com sua função. ...a obediência também leva ao Paraíso. e elas hão de ter o delas.

13.5.06

Cap. 4º - Da necessidade de ser visto

eu deveria escrever sobre a felicidade de escrever - pura e simplesmente assim, mesmo - pela alegria de desopilar o fígado e os rins de lambuja, sei lá por qual via, isso é o que menos importa. escrever é o que importa. pois escrever é pragmatismo puro; escrever é contundente, exato e preciso. viver não é preciso.

apontar os dedos sujos não é a mesma coisa, mas é o que fazem os pequenos megalômanos de hoje: turba desgovernada, isso sim. menos construções e mais desordem. ces't la vie. ossos do ofício, ainda posso dizer... mas que ninguém me interrompa quando a seleção pisar no gramado.

mas, falando de novo sobre o viver impreciso (e o alinhavar palavras com exatidão), eu... na verdade já estava no "menos construções"... então, que seja: (essa eu vou escrever acompanhado de um pop tex-mex qu'está fazendo relativo sucesso entre a comunidad latina. só confete...) viveremos o dia em que nem os imensos monolitos nem as torres de vidro fincarão suas bases sobre o chão que pisamos? será verdade que Nova Iorque virará um grande deserto, cheio de motoqueiros, lagartos e garotas vestidas apenas com tiras de couro? que futuro atemorizante nos espera? onde nos esconderemos, em que bunkers, que abrigos? oh, Mundo Cruel! que legado nos deixa, a que vilania nos obriga..?!

12.5.06

Cap. 3º - No qual se explica porque o circo não pode parar (de queimar)

(começo esfregando as mãos, pela terceira vez. cada vez que tudo desliga é um improviso a menos, uma aquecida a menos. o riso, na 30ª, nem força de expressão é: ...é cãibra)

...perdi. as palavras, para sempre. ainda lembro de uma ou outra, mas o todo, o significado aleatório que tanto me custa, esse me foi perdido, me foi roubado, foi suspenso. que mão poderosa é essa que me tolhe de conspirar aqui, alhures..?? em que tribunal hei de resgatar, dia quiçá, esses disformes esgares de humanidade? porque, sim! eles me pertencem: a forma errática, o mal necessário, o vagar entre-letras que me transforma, sendo eu mesmo, em outro nada igual: um pária da lógica e do linear.

assim se faça! onde quer que esteja pensarei em você, porque me disse. mas vamos às palavras, se é que ainda trago alguma no bolso:

"o homem germina cego e mal-amado no seio da noite escura." (ou seria: "o corpo, como uma planta, cresce em direção à luz"?)
e também:
"mas o vento, os besouros e os cupins o nutrem de espaços e falhas, tumores e falhas, principalmente. e ele se retorce(...) viciante. (...) por que atear fagulhas à chama d'O que sempre o Amou?"

versei sobre a conquista do "errático, aleatório" que nos torna menos iluminados, mais próximos da terra que nos gerou (?). Terra anciã, essa mãe austera e selvagem. dizem que no fundo ela canta, chamando todos os seus de volta. soa como um sussurro, soa como muitas mil vozes dissonantes que se encontrassem e se amparassem, mutuamente. a grande lição. comovente (e em Lá).

Essa partida foi um oferecimento do sr. e sra. Lumes d' Vidro, ele pelo seu aluar de ouro (40W/127V), ela pelo bailar de morte - torrando o gordo abdôme no cristal do sr. Lumes. ah!, o amor...

11.5.06

Cap. 2º - Onde se espera que nada mais aconteça

cada vez mais frio: é hora de ensaiar mais um pouco...

o breu lá fora é como uma enorme parede negra. como muros que cerrassem minhas janelas, como estar soterrado no ar enfumaçado, no escuro do futuro, do tempo incerto que corre veloz contra os meteoros e discos. todos estão fugindo do caos iminente, galáxias em formação se separam rumo o infinito de solidão e desesperança. mas ainda há de passar essa maré, tudo se voltará para dentro, como um cobertor que se volta sobre si mesmo, como alguém com frio que se enrola no meio da noite, e volta a entreabrir os lábios sobre o lençol; e nesse cobrir levasse todo universo a se cumprimentar uma última e centrifugante vez. é o sono de Deus que nos envolve, o mesmo sonho iluminado que nos criou e mantém. e todos, sem exceção de partícula alguma, de gelo ou minério bruto, nos fundiríamos num ponto qualquer, um centro qualquer - donde partir, repovoar e reconstruir outro Universo seria mister, seria urgente, seria irreversível.

penso no dia em que não mais estenderei os dedos para te lançar oferendas. sequer conjurar improvisos e desvios. serei eu mesmo, quase fetal, os braços cruzados sobre o peito (ninguém diria coisa dessas), com o pó conjugando.

lembro da amarelinha de Cortázar: ele dizia de formigas e um tipo simiesco que se perdia em observá-las. nem sei ao certo seu nome, mas poderia chamar-se como o livro que ainda hei de escrever, um dia. "Heart Shell", eis o nome. Porque o inseto leva sua vidinha tatibitate, canhestra, com entrega inédita e quase imprudente. Mas o hominídeo..!

sei que o vento levará também estas. Então bocejo, pestanejo - e me calo.

10.5.06

Parágrafo Único:


onde mora o coração do Homem, ali também está o seu tesouro.

Cap.1º - Onde se trata do desaparecimento da palavra

... é quando sinto que suas (minhas) respostas superam as minhas (minhas) perguntas. e vai além, não deixam brecha. por que, afinal, eu procuraria outra coisa? engraçado. e o ato de escrever perde sentido, porque sempre mascarante, mascarador. e por pensar nas teclas a teclar eu esqueço o que penso, ou pensava. e me preocupo em apertar os botões. juntar as duas coisas passa a ser a meta a alcançar, o ponto e objetivo a ser batido. pensar sem parar, teclar sem titubear. eu estava pensando na história do Chandra, em como... preciso tomar um chá. já volto... (...)

... aproveitei pra dar uma mijada. caramba! esse frio da alta madrugada congela os ossos. só as pontas dos dedos se mexem convincentemente. o resto adormece, se não dormita, verdade, em estado de semi-hibernação. chá quente à mão, ávido por teclar imprudente, volto ao computador, onde Kronos Quartet é sempre uma boa companhia, nessas horas frias e solitárias. mas isso ainda vai ganhar corpo, vou cortar um monte, então não me preocupo com as beiradas possíveis. tudo isso é lixo, mas do lixo tirarei a vida que me constrói, seus enigmas decifrados, suas chaves para um vislumbrar mais depurado de mim mesmo. se é o que quero dizer, mas acho mesmo que não. tudo é teatro, eu sou teatral. patético. o chá ainda está muito quente. mas isso é informação inútil, e depois será podada. ao menos eu exercito os dedos sem culpa. sei que sou 20% descartável, ao menos. deixem que então eu 'expila' esse quinto prolixo. esquentar as mãos no chá, na caneca de chá, ainda é uma arte, desde e antes que eu a descrevesse a uma obtusa garota, num e-mail, uns 4 anos atrás, apaixonado que estava por suas covinhas ladeando o sorriso lacônico e uma difusa pinta que minha mente, nesses tempos últimos, fez por duvidar da existência - mas que, se é veraz, ainda está lá, caindo pelo canto do lábio, à direita do coração. depois descobri que o sorriso era um cacoete, não uma inteligência, e desanuviei.

mas eu dizia do Chandra. Ele corre atrás do deus da Lua pelas vielas de seu vilarejo, mas o deus cavalga em sua "biga", ou coisa que o valha, e está sempre à frente, sendo puxado por dez velozes cavalos, que mais parecem raios de luar (sua charrete/ carruagem/ biga é a própria Lua!), e ele os chicoteia, quase alçando vôo. e quando Chandra tenta alcançá-los, consegue agarrar o vespeiro onde o deus prendera o luar que carregava a sabedoria das coisas da infância, deste reino, estado de espírito que é a infância. ou alguma coisa assim, bem abstrata - mas que deve parecer simples e concreta. terrível, ando pensando nisso há meses. mas vamos lá. então o menino tem o vespeiro nas mãos, que - novo! - o deus iria levar para casa, mas não viu que deixara pra trás na fuga, de volta para sua "morada". é lua nova, os mortos podem falar com Chandra, assim que ele atravessa os portões da cidadela, e indicam o caminho a seguir. Chandra caminha em direção à floresta, e às suas entradas, ouve as cigarras que tentarão seduzi-lo para devorar seu cérebro, pensando que se trata de uma raiz, um cerne de madeira podre. Chandra não sabe mais se identificar, não sabe que é um menino, menos ainda que está em busca de sua identidade, e nem seu nome. é nessa condição que as cigarras tentam atacá-lo, mas ele se apavora, e alguns tigres o ouvem, quando passam por perto (...)

isso me lembra de outro trecho que talvez coloque no "Pseudo": os ratos que invadem a cabeça das pessoas pelos ouvidos ou pelas narinas, enquanto essas dormem, e ali se instalam, devorando o cérebro, lenta e gradualmente. os ratos são portadores de um vírus mortal: a curiosidade. basta que alguém seja "invadido" por um destes roedores, e começa a fazer perguntas e mais perguntas. até que um dia morra de curiosidade, se esta não for satisfeita. o que acontece é que a informação incha o cérebro, e sufoca o rato, que precisa de espaço pra sobreviver, por isso rói o cérebro - a "informação" - que ali encontra. a pessoa que está hospedando o roedor começa fazendo perguntas, inicialmente. depois vai perdendo o conhecimento de mundo, das coisas, do tempo e do espaço. e termina sem saber de nada, com a cabeça vazia. à beira da morte, já não faz perguntas, sequer tem voz. apenas gemidos e choros mastigados. rói objetos e alimentos crus, e qualquer coisa que se lhe der nas mãos. depois que cai ao chão, só vegeta, até o fim. vai ficando verde, depois ocre, depois vira terra, e seu coração se transforma numa raiz fértil, uma batata-doce, talvez. os piores viram mandioca selvagem. alguns ainda tem a sorte de virarem mandioquinha, e já ouvi casos de curiosos mortos que viraram amendoim, com as sementes se espalhando pela superfície antes do tempo, todos bicados e espicaçados pelos pássaros gigantes.

queria ver você lá. esse jazz , e algumas garotas em cima do balcão, sinuosas dançarinas. uns trouxas enrubrecidos de alcohol, e só. já vai fechar, as cadeiras estão em cima das mesas.

agora vou dormir. só vou deixar acabar essa do Thelonious Monk, e vou. só mais essa, é pra valer. que eu já estou caindo em cima do teclado, e revirando mais que erva do diabo - nunca mais como a carne com abóbora que a Sandra faz! esse abajur até que funciona, é bacana. mas tudo se ilumina: agora tenho um bom palpite...
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...just someone playing hard.

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