14.9.05

Quando criança, eu gostava de ficar ouvindo os eletrodomésticos de casa funcionando, ininterruptamente.

 Cantava junto ao zunir do aspirador de pó até que nossos timbres se harmonizassem, num mantra pós-moderno.

 Mentalizava revoluções rítmicas de alta aceleração, acompanhado do liquidificador.

 Me deixava levar por horas, alheado, ao som compassado da máquina de lavar roupas, imaginando fascinado um instrumento - que eu não sabia já ter sido formulado - chamado moto-contínuo.



Quando criança, por muito tempo levei na cabeça o problema de tentar expressar algebricamente a condição do círculo - que ao contrário das outras figuras geométricas, não possui faces externas limitadas (ou possui infinitas).

 Queria crer que o tempo-espaço se comportava de modo particular dentro das bolhas de sabão (embora ainda não o soubesse verbalizar), e que quando duas se encontravam, era como dois universos em colisão, ao cabo da qual desapareceriam: as bolhas estouravam.



Quando criança, meu mundo acabava nos muros, meu céu era um grande cobertor azul, e meu cobertor era uma complexa geografia de vales e montanhas pelos quais viajava com meus brinquedos.

 Meu brinquedo era criar-descobrir o mundo insondável que me envolvia.



Hoje meu mundo é elementar, óbvio e redundante.

 Minha função é acrescentar braços à burocracia que me mantém vivo.

 Os muro caíram - e atrás havia ruas, edifícios e mais muros. O cobertor desta rotina às vezes é curto.



Mas o céu desvendou-se infinito, e para além a complitude acenou-me com o colorido de minha intuição primeva, sussurrou-me o caminho dos ventos e das pedras, lá depois de mantras e liquidificadores, geometrias e incongruências, onde o tempo nos consola e o espaço nos abraça, eterno.

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SAO, SP, Brazil
...just someone playing hard.