4.7.06

'Tarantinesca' (inédito! ...e recuperado)

aqui publico o conto de um amigo meu, que há muito estava perdido (o conto, não o amigo: vejo-o todo dia, e ele, como se soubesse, me retorna o olhar no exato instante em que o atinjo, visual. costuma também macaquear-me os movimentos, e tem a pachorra de fazê-lo sempre invertido, o sacana).

a dizer ainda: somente que chamo de "conto" por não saber como classificá-lo, ao certo. fica ao seu encargo, leitor, reclamar o que falta (e falta tudo: é nada mais que um improviso literário, um exercício de imaginação diante de uma 'cena-clímax', onde se entra de supetão e se deixa antes do fim.


ao seu sabor, deixo-os com 'Tarantinesca', produção de meados de 2002 (por favor, não notem o bolor).




Vacilei.

o instante era justo, preciso.

mas nada parecia encaixar, as fotos no chão, o lustre arrancado, o fio
envolto em sangue envolto ao pescoço da bela jovem, longe já o último
fôlego.

(som de tambores no corredor. a porta era o próximo passo)

escondi a arma e pulei o balcão. cáspita! o pé resvalou no precipício
iluminado da cidade. devia ser a coca, aquele canalha do Federico,
aquele animal injetara coca na minha veia, mas estava dopado e o sangue
brotara líquido pela mesa e o Dr. Nikos não gostava de ver sujarem seu
belo inferninho...

esgueirei-me no quanto pude pelo parapeito, na quina eu teria de
saltar, que se ferrasse se eu tinha as duas pernas baleadas e um tijolo
no bolso, mais um passo, e a gente ia ver.

a frente estava toda tomada pelos macacos do Dr. Nikos. ..sem um tiro,
entendem? sem espalhafato. tragam-no aqui. mas tudo na calada! sem
tiros, sem espalhafato. ou alguém vai tomar depois...

eu tinha de pensar rápido, mas Louise com a cesta ainda ecoava por
algum corte na minha cabeça, talvez o encanamento exposto das calhas,
talvez apenas um apoio para alcançar os vidros do andar inferior,
Louise, os olhos no último esgar mirando o teto... é, talvez os canos
agüentassem. alguns helicópteros vinham dar com as luzes no peitoril
do oitavo; eu então quase no sexto.

mas o som dos tambores agora tilintava munição pesada, e entrar não
parecia uma boa idéia.

o salto! e o edifício já era quase irrealidade, figura a mais no
recorte perdido de uma periferia urbana.

caí com tudo, rolei sem conseguir agarrar (som de pianola pelas telhas)
os dedos procurando, o telhado sumindo sob o corpo e o sangue
gelatinoso, quase graxa, quase enferrujado no resto de camisa, os dedos
procurando, via o céu crescendo pra trás, as antenas mais longe, os
dedos, merda!

vazei no espaço. torpor. achei um cabo no aquário do vazio, agarrei
o cabo com a fé dos dedos sujos

do cabo sem pensar ainda em queda até o mastro da fachada, do outdoor
de neon, aquelas coisinhas que torram em vermelho.

já podia avaliar meu estado: por um braço estendido sobre a cabeça,
pendular sangrando como uma penosa `as vésperas do Ano Bom.

dali enxergava as costas dum figura no quarto barato da pensão em
frente.

um dedo escapou. em vão dei ordens para alcançar o cabo. estava
insensível aos meus apelos. a mão toda ameaçava amotinar-se contra
mim. o chão girava, longe e oscilante. escorreguei sem esforço até
uma janela mais lúcida e mergulhei com os pés chapados.

o estouro soou fraco. na sala da senhora com a xícara e o gato eu me
desfiz dos poucos estilhaços que trazia.

meus olhos procuraram mecanicamente pela porta. logo, eu varava os
corredores.

descer, sempre descer, descer até o inferno, dar de cara com os gorilas
do grego imundo e pôr um fim nisso tudo. vi num flash a cara lambuzada
de Federico, lance antes da queda forte, meu punho mirou certo a massa
de meu algoz, agora inerte num canto do quarto com as fotos.

sorri, nem sei de quê. neura, nervo.

descer (as luzes apagadas), descer tateando no breu que dava acesso aos
fundos; dei na porta de serviço. após, a liberdade. após, o talho
fresco que liqüidaria o gringo e vingaria de vez por todas tudo o que
fizera com Louise. era pra pegar no pulo, na mão. chegar de manso,
sorrateiro. o chefe não o conhecia... mas depois seria mais fácil
respirar. ou então seria apenas o começo de mais um longo e exasperante
capítulo.

puxei o pouco da atmosfera fétida que me cabia no peito. mas não podia
capitular agora. eles estavam em maioria. mas era tudo ou nada. a
respiração dificultada, marcas pelas paredes que iam sumindo no negrume
da noite dentro.

enfiei o pé na porta, dava pra um pátio largo, muros altos, saída a
esquerda, por um corredor estreito. única.

seguia os pés sem convicção, até que o silêncio me estranhou.

logo, o som de tambores.





(improviso sem revisão)

Martin Montenegro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Esse eu já conhecia...

Minha foto
SAO, SP, Brazil
...just someone playing hard.