15.8.06

Darjeeling Tea Break

É terrível acordar depois de ter dormido um dia inteiro com as costas doendo, as pálpebras pulsando e um sutil zunido diabólico ardendo longas paisagens insólitas no ouvido.

(ouvido não, orelha. porque orelha ainda resta, como vocábulo oficial. mas ouvido me parece muito mais refinado. "sou todo ouvidos" é de antanhos, lembra aquele senhor de gravatinha borboleta e bigode curto e irrequieto, oscilando sempre para a esquerda, como um tique irrefreável - mas enfim: ainda respeitável protocolo. "sou todo orelhas" é pedir uma carimbada na testa. às vezes, contudo, eu arrisco. mas ninguém entende. bolas)

acordo com o poente bem pronunciado, as sombras esticadas no gramado e um tom de luz avermelhado que invade a sala nos reflexos poucos mas intensos, se esparramando nas paredes de forma enviesada e calorosa.

em pouco tempo tudo se aquieta, portas se encaixam nos batentes, maçanetas esfriam, geladeiras adormecem. é hora dos relógios começarem seu compassado diálogo: o da sala com o da cozinha, sempre a mesma anedota. se riem ou apenas soluçam, não deixa de ser igualmente enfadonho: esse motocontínuo de espaços regulares rumo o infinito.

e aqui me sento, então, prestes a reciclar o prato frio que fica sendo o último post, e pra não deixar morrer essa iniciativa, resolvo empunhar novas alegorias do meu pequeno bunker, meu refúgio do mundo novo, onde apenas minhas criações podem, invariavelmente, sobreviver.

lembro - porque quero ampliá-lo - de um poema começado há tempos, nunca terminado. começarei por ele e, se tiver inspiração ainda restando na cachola, hei de fazê-lo engolir seu novo capítulo, agora e já: no improviso que sempre dita a escrita destes posts do meu Cleptocronia:


minhas noites são polares
muitos sóis sem nome cruzaram minhas cartas
em vão catalogo as razões da espécie

te vejo sempre longe, trepidante miragem
e longe disforme penso que sorri pra mim
aceno, incerto de resposta


ao que acrescentarei, embalado nessa vaga que me arrasta:


hibernando plácido e memorioso
à espera do dia da hora e lugar
que não chovendo te ficarei a sorrir

como um dirigível que lançado à própria sorte
vomita gotas de chumbo e atômica flor
sobre antenas e baionetas contra
do Deus toda a vontade

feituras do braço, tendões de arame
mordaças de sílica e a fome (e a fome)
e restando só um - no meio do campo - alguém gritasse:
- vai-te daqui, Homem das Fronteiras!

Porque só assim teremos Paz
margarina no almoço e no jantar
o cão atrás de seu rabo
e a criança de plástico à frente dos tanques



e que assim seja.



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Um comentário:

Anônimo disse...

Megaton_Nero, acompanho seus comments no Weblog e passei para conhecer seu blog e sua expressão. Gostei. Um abraço

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