16.9.05

Trégua

quero trégua. fujo, vago, tenho a língua sêca. sinto faltas, impotência, desilusão. afasia. torpor. ócio. os pulmões tomados de peso.



escrever é realmente árduo. nunca vai sair do jeito certo - e eu já estou mais velho que meu avô; na verdade somos todos mais velhos, cada vez mais, pois o tempo se acelera cada vez mais.

minha infância deve ter se perdido n'algum porão inominável. a criança que desce as escadas no escuro e não volta nunca mais. um dia vou encontrá-la numa garrafa velha. talvez aproveite para trocar a rolha.



entra-me uma insolação na horizontal do fim de tarde, mais não consigo imaginar. preencher as linhas é tedioso - pior para mim mesmo, dormir nunca amenizará as dores latentes, o olhar de Caim que trago comigo desde a mais tenra consciência. pensar dói - é sempre impreciso. e como é cruel desprezar o próprio erro! não somos complacentes conosco nunca. por que o seríamos com os outros, então?

nós pensamos e morremos - morreremos - de tanto pensar, e por pensar criamos a guerra, para vencer a dor por princípio homeopático - simila similibus curantur - e ganhar a paz por exaustão. 

a guerra nos derrotará a todos - nós e os princípios - seja qual lado for onde estivermos.

 guerra é vício. é inevitável. daí a afasia, o torpor. a impotência de não conseguir deter os punhos antes que espirrem os rubros suores do cristo que desprezo no meu inimigo pior: eu mesmo.



w w w w w w


há uma mulher em mim, uma mulher que mostra as canelas e lança os olhares cobiçosos para o mundo, para a superficialidade revolta das novidades mesquinhas do mundo. ela ri, atônita com a própria inexplicação. ela gera uma idéia vaga de si mesma; gera-se como a um rei na barriga; o rei é filho deste corpo sinuoso e herege - e ela comprime as unhas contra os seios magros.



há um homem em mim, esse que ainda dorme um olho dentro de si, pensante e cético - tudo tão lógico, tão factível - e há o outro olho, violento e dominador, gato ou cão que joga o jogo do poder. mas nunca pôde nada, não pode agora e talvez nem mesmo sua casa tenha endereço certo, pois seus músculos não construíram paredes quando podiam - o olho sonado enjaulou-os como a um psicótico minotauro, e eles ferem a própria consciência, como foices num quarto escuro, dilapidando-se todos os dedos de ambas as muitas mãos.



meu compasso é de outrora, então chamo pela consumição - esta que nunca virá - e empalideço com o algoz do outro lado do espelho, multiplicado ao infinito. ele me retribui o sorriso.



vou apodrecer como Dorian Gray, cercado das mentiras que escrevem minha gloriosa história aos olhos crédulos que imagino arrogantemente cativar.

 ou um dia, como Crusoé, encontre a felicidade na ilha de mim-mesmo com Deus, a sós eu e Ele. 

Será numa sexta-feira.


Nenhum comentário:

Minha foto
SAO, SP, Brazil
...just someone playing hard.